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História preta como fonte de poder e força

Atualizado: 30 de out.

As grandes navegações, a Grécia antiga, a descoberta das Américas, o século das luzes. Narrativas históricas apresentadas nas escolas, na mídia, em nomes de ruas, nas igrejas, inflam o ego da Europa e usam a história como propaganda. Se esse povo é assim tão grandioso, resta aos demais apenas submissão. A história é usada como instrumento educativo para intimidar e destruir a confiança do povo preto em si mesmo. Manipular a história é manipular a consciência.


O psicólogo Amos Wilson discutia as implicações psicológicas e psiquiátricas da historiografia eurocêntrica no povo preto. Ao roubar e distorcer a história, os europeus projetam uma consciência falsificada em nós. Criam uma amnésia histórica, uma vida baseada na negação, na inconsciência das próprias fontes de comportamento, pensamento e cultura. Como Wilson dizia, “Se não conhecemos nossa história, não conhecemos nossa personalidade”.



Retomemos a sede pelo conhecimento histórico. A história preta é uma fonte de poder para levantarmos a cabeça em continuidade a um povo rico em tecnologia, economia, cultura, espiritualidade, ciência e educação. Aliás, educação e história sempre foram preocupações nossas.


Em Kemet (Antigo Egito), há pelo menos 4 mil anos, havia avançados centros de ensino chamados Per Ankh (Casas da Vida). Funcionavam como escola, biblioteca e local de cópia de arquivos. Apesar do que mostram produções do cinema, o Egito antigo era feito de pessoas pretas, como provou o polímata Cheik Anta Diop.


Descendo ao sul de África tem-se os sangomas. São, eles e elas, responsáveis pelo contato com o mundo espiritual, pela saúde da comunidade e por repassar a tradição e a memória histórica de seu povo para novas gerações.


Na região oeste do continente, onde se deu a Era de Ouro (do século VIII ao XVI), encontramos mais exemplos do valor da história e da educação. Os djélis, dentre o povo mandinga, eram responsáveis por educar a comunidade ao contar a história do Império do Mali com oralidade e musicalidade.


Mansa Musa, o homem mais rico da história, não dava valor apenas ao ouro. Este soberano do Império do Mali era um “ardente patrono das ciências e das artes”, afirma John G. Jackson. Em 1324, enquanto a Europa sucumbia à Idade das Trevas sob doenças, guerras e conflitos religiosos, Mansa Musa peregrinou até Meca doando ouro; desestabilizou a economia aurífera do Cairo por 12 anos.


No século 15, no Império Songhay, a Universidade de Sankore, em Timbuktu, com acervo histórico, atraía milhares de pesquisadores e estudantes próximos e distantes. Jené, no atual Mali, possuía uma universidade com milhares de professores e uma escola médica que treinava médicos e cirurgiões habilidosos.


Já a história da educação brasileira é uma história de exclusão do povo preto. Não sem enfrentamentos. Mesmo diante de legislações proibicionistas, pessoas pretas se organizavam com a alfabetização dentro das irmandades negras, a contratação de professores, a escolarização de negros libertos, a preservação da memória nos terreiros de candomblé, dentre outras iniciativas.


Em 1983, o deputado federal Abdias do Nascimento propôs legislação que integrava nos currículos escolares a história do povo preto e as contribuições tecnológicas e culturais africanas. O projeto de lei 1.332/83 representava a sede do povo preto por sua história. Não bastava estar dentro de uma escola, era necessário que a grandeza histórica preta fosse apresentada às crianças e jovens.


Apenas em 2003 foi incluída a obrigatoriedade do ensino de história e cultura de África e do povo negro com a Lei 10.639. Em relação à proposta de Abdias, a lei de 2003 apresentou generalização do que deveria ser feito, nenhum cronograma ou obrigatoriedade de prestação de contas. Passados 21 anos, percebemos a fragilidade da aplicação da lei.


Pesquisa publicada em 2023 pelo Geledés Instituto da Mulher Negra mostra que ações com ensino de história e cultura negra e africana são pontuais em 53% dos municípios, e 18% não têm qualquer ação.


Os dados estarrecedores, alinhados a estatísticas de genocídio e exclusão do povo preto, mostram a urgente necessidade de uma consciência histórica forte, alinhada à ancestralidade africana e à preocupação milenar com nossa educação. Como um sinal de esperança, por todo o Brasil, há diversas iniciativas autônomas que caminham nesse sentido ao produzir materiais educativos que fortalecem pessoas pretas, como jogos e livros, com história e cultura preta e africana.


Artigo de Dlaman Kobina, publicado originalmente no jornal Correio Brasiliense em 1 de setembro de 2024


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