Um gênero musical que é febre na África do Sul mostra como a criatividade dos jovens continua a história de quem veio antes.
Histórias cruzadas
Kabelo Petrus Motha, é um DJ e produtor musical sul-africano. Nasceu em Mpumalanga em 1992 e foi criado em Pretória. É conhecido como Kabza De Small, rei do Amapiano.
Seu álbum de estreia foi Avenue Sounds, em 2016.
Porém, o interesse pela música existia desde criança. Em 2009 começou seu trabalho como DJ.
Kabza é hoje um dos artistas mais conhecidos na África do Sul, mas não sem ter se determinado para o que queria. Ele diz:
"Eu não tinha recursos, mas sabia o que queria com minha carreira. Eu continuei trabalhando o que precisava para melhorar minhas habilidades".
A primeira faixa do artista que alcançou maior popularidade foi Amabele Shaya:
A história do artista se mistura a outras pessoas no surgimento e expansão do gênero musical chamado Amapiano, que hoje está dominando a cena sul-africana e se expandindo para o restante do continente.
Amapiano
Em pleno crescimento desde 2018, o gênero hoje é um dos mais escutados em solo sul-africano e tem conquistado cada vez maior número de fãs.
Na Wikipédia encontramos algumas informações sobre o Amapiano:
teria o sentido de "piano", na língua isiZulu
surgiu na África do Sul em 2012
é um híbrido de deep house, jazz e lounge music
tem influências do gênero Kwaito, ritmos house sul-africanos dos anos 90 e percussões de outro subgênero local de house conhecido como Bacardi.
Dá pra sentir que é uma musicalidade bem viva, né?
Confira um trecho do filme SHAYA! Amapiano Documentary, de julho de 2020:
A matéria Da África do Sul para o mundo: Amapiano se torna global afirma que o gênero tem um caráter DIY. Essa expressão representa "faça você mesmo", indicando algo caseiro, meio que artesanal, e diz tanto sobre a produção quanto sobre a distribuição do Amapiano.
A música alcançou sucesso sendo produzida de forma independente e distribuída por grupos WhatsApp, CDs piratas e estreada em clubes (boates). Esses são centros de distribuição rápidos e baratos para espalhar a música por todo o país.
Sem a interferência de grandes gravadoras e suas exigências, os artistas são livres para testar novas ideias como e quando quiserem. Há uma interação direta entre produtores musicais e sua audiência por meio das redes sociais, embora não sejam desconsideradas as grandes plataformas digitais atuais como YouTube, Spotify etc.
Os vídeos das músicas desse gênero trazem muitas referências estéticas e culturais do cotidiano das juventudes urbanas sul-africanas, além de valorizarem as línguas locais.
O Amapiano teve um importante crescimento em 2020, especialmente quando o governo sul-africano impôs uma rígida quarentena no país devido à COVID-19. Os artistas aproveitaram para expandir sua atuação no cenário digital, produzindo novas músicas em plataformas digitais, apresentando lives com lançamentos e experimentações ao vivo e interativas com o público, além de explorarem a produção de videoclipes.
Muitas pessoas tem vivido o Amapiano como de fato sendo um estilo de vida, muito mais do que um gênero musical. Trata-se da expressão de liberdade da juventude preta sul-africana, com suas potencialidades e seus desejos de consumo, ostentação e individualismo dentro do contexto deixado pela colonização.
Ao mesmo tempo, é possível localizar o Amapiano como descendente de uma linhagem de músicas de resistência da imposição racista branca operada pelos europeus no território, especialmente por meio do Apartheid. É o som de uma geração que supostamente está liberta, mas que ainda vive cotidianamente diante dos fantasmas coloniais em um país que sofre diante de uma absurda desigualdade socioeconômica criada pelos europeus, que também despedaçaram valores civilizatórios importantes.
Amapiano surge então como uma expressão criativa que visa melhorias socioeconômicas, na medida em que há um grande mercado consumidor de música na cena sul-africana, africana e internacional. Além da paixão pelo ritmo e o significado cultural e político que ele assume, as pessoas envolvidas no Amapiano buscam também novas formas de sustentação econômica, trazendo ao mundo aquilo que têm de criativo em seu interior. Ou seja, a música não é apenas por diversão. É também por trabalho. A excelência da produção do gênero mostra como esse trabalho tem sido bem feito.
Nomes do Amapiano
O sucesso inegável do gênero tem vários nomes. Conheça alguns:
Aprendizagens com o Amapiano
Amapiano e colaboração
No Amapiano é extremamente comum que vários artistas estampem uma mesma produção. A colaboração é parte da essência do gênero desde seu surgimento. Isso, aliado à divulgação que não depende de gravadoras, demonstra uma noção de coletividade que se aproxima da filosofia Ubuntu. Esta noção é presente nas cosmopercepções de povos de origem Bantu, como os Zulu e Xhosa, grupos numericamente importantes na África do Sul.
Amapiano e circularidade
A invenção do atual Amapiano surge da mistura de jazz, deep house, Kwaito e Bacardi. O Kwaito teve importante papel de empoderamento da juventude nos momentos finais e pós-Apartheid. Era influenciado pela música Zulu tradicional e pelo hip-hop estadunidense, de origem preta. Assim, no Amapiano, África e sua Diáspora se reencontram no continente original. Rompe-se a separação de antigo e atual.
Amapiano e liberdade
O gênero representa movimento e LIBERDADE, ao mesmo tempo em que surge em grande parte das vozes da primeira geração preta que nasceu ao fim do Apartheid da África do Sul. A relação com o Kwaito, mostra a continuidade da musicalidade como agência da juventude frente ao neocolonialismo branco. Uma liberdade criativa que também é característica da não dependência de grandes gravadoras para fazer sucesso, já que se espalha pelas redes sociais.
Amapiano e linguagens
A maioria das músicas do gênero fortalecem as identidades linguísticas por serem predominantemente cantadas em línguas faladas por povos que vivem na África do Sul, como os Zulu e Xhosa, com as línguas isiZulu e isiXhosa. Afinal, só de línguas oficializadas, são 11 no país. Mas, expandindo as fronteiras, artistas como Marioo e Sho Madjozi já produziram músicas dentro do Amapiano em língua Swahili, a língua africana mais falada no continente, especialmente na parte leste.
O estilo de vida Amapiano carrega assim, como um de seus elementos principais, a continuidade do uso de idiomas africanos. Isso pode ajudar a manter cosmopercepções africanas presentes nas línguas, e ao mesmo tempo, por meio da música e da dança, manter atualizada a prática cultural ancestral. As linguagens visuais e corpóreas nos clipes confirmam que Amapiano é um estilo de vida que tem referências centradas nas culturas do território.
Amapiano e unidade cultural
Cheikh Anta Diop, gênio senegalês do século 20, retomou a centralidade africana na construção das civilizações humanas. Dentre os diversos tópicos de seu trabalho, Diop apontou que na história africana é possível perceber que, apesar da diversidade cultural, há elementos culturais compartilhados entre diferentes povos, levando a perceber há milênios uma unidade cultural africana, que não unifica as diferenças.
O Amapiano atualmente tem sido um gênero, dentre outros, que possibilita o diálogo entre artistas de diferentes origens e culturas, ultrapassando as fronteiras dos países e até mesmo de continentes. Na música acima, por exemplo, colaboram os sul-africanos Kabza De Small e Maphorisa com Masego, jamaicano hoje morando nos Estados Unidos. Um outro lançamento recente que apresenta uma forte influência do Amapiano é dos nigerianos Adekunle Gold e Davido, conhecidos pelo trabalho com Afrobeat:
Confira outros hits do Amapiano que tem tomado a cena pelo continente atualmente:
Origem do Amapiano
Eu (Jonathas) conheci o Amapiano em Joanesburgo, África do Sul, em dezembro de 2019. Era impressionante como TODOS OS LUGARES tocavam: bares, hostels, clubes, ruas, casas, carros, festas, rádios...
Joanesburgo é uma cidade que ferve culturas, criatividades e musicalidades. O Amapiano teria surgido lá, ou em Pretória. Ninguém consegue afirmar. Mas um fato é unânime: o gênero surgiu nas comunidades conhecidas como Townships.
Mas, calma... essa história vai ficar para outra publicação!
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